Descrição
“Pode a fenomenologia contribuir para uma reconstrução feminista do caráter sedimentado do sexo, do gênero e da sexualidade no nível do corpo?”, pergunta Judith Butler neste ensaio de 1988. A partir dessa questão, a filósofa discute como o gênero se instaura no corpo por meio da repetição de atos performativos consolidados ao longo do tempo. A identidade de gênero não viria de uma essência interna predeterminada, mas daquilo que historicamente se constitui como tal: seria, assim, “uma realização performativa compelida por sanções sociais e tabus”. O caráter performativo do gênero, por outro lado, é justamente o que possibilita questionar a sua reificação.
“O corpo se torna seu gênero por uma série de atos renovados, revisados e consolidados no tempo. De um ponto de vista feminista, pode-se buscar reconceber o corpo generificado mais como o legado de atos sedimentados do que como estrutura, essência ou fato predeterminados ou fechados, sejam naturais, culturais ou linguísticos […]. Apesar do caráter tão arraigado do patriarcado e da frequência com que a diferença sexual é utilizada como uma distinção cultural operatória, não existe nada dado em um sistema de gênero binário. Como um campo corporal do jogo cultural, o gênero é uma questão fundamentalmente inovadora, ainda que esteja bastante claro que existem punições rigorosas para quem questiona ou sai do roteiro, ou mesmo para quem improvisa de maneiras não autorizadas. O gênero não é passivamente inscrito no corpo nem determinado pela natureza, a língua, o domínio simbólico ou a assoberbante história do patriarcado. O gênero é aquilo que se supõe, invariavelmente, sob coerção, diária e incessantemente, com angústia e prazer.”