Descrição
Este breve ensaio é uma anatomia improvável das orelhas – as suas curvas, a duração do tempo de vida medida pela sua espessura e seu tamanho, o labirinto de pele e cartilagem que guarda o invisível, a surdez para o que está fora do corpo e a conversão das orelhas aos sons internos ou ao silêncio. Essa anatomia é escrita diante da orelha dos outros, tão próximos, que nos escutam – irmãos, pai, mãe, avô, avó – de modo que nelas também se encena um léxico familiar. Ao mesmo tempo, essa anatomia destina-se ao leitor como uma pergunta, porque também sabe que as orelhas são, como outras partes do corpo, aquilo que só podemos ver na relação com os outros. Essa anatomia das orelhas é improvável não porque tenha pouca possibilidade, e sim porque escapa à prova e convoca à experiência. Afinal, as orelhas não são senão perguntas, dobras no corpo que formam dois alongados pontos de interrogação.
“Só através de uma fotografia podemos ver as próprias orelhas. É impossível vê-las de outra maneira; existir e ver nossas orelhas. São os outros que sabem de que maneira elas estão posicionadas em nós e o que existe dentro delas. Sendo assim, as orelhas constituem um lugar que nunca poderemos visitar, a menos que seja através de um terceiro, através daqueles aos quais entregamos nossa confiança para que as observem.
Somos uma terra distante para nós mesmos […].”