Descrição
Há uma fotografia do escritor Franz Kafka quando menino, pela qual Benjamin tinha especial apreço. Diante desse retrato, “a pobre e breve infância” aparece para Benjamin com força inigualável. Vestido de mini adulto e constrangido em trajes apertados e humilhantes, a criança exibe “olhos incomensuravelmente tristes.” Mas há algo no corpo do menino que parece resistir à captura precoce da infância pelo mundo filisteu e que se materializa, para Benjamin, na “concha de uma grande orelha” que ausculta a paisagem ao redor. O presente ensaio explora o alcance artístico-especulativo dessa escuta penetrante que Benjamin localiza na figura infantil de Kafka e que buscará cultivar como política do pensamento, apostando numa espécie de pedagogia do ouvido, cujos desdobramentos são discutidos também à luz das emissões radiofônicas de Benjamin junto às crianças alemãs entre os anos 1927 e 1933.
“A questão política que assoma para Benjamin diante da grande orelha do pequeno Kafka – orelha que Barthes também experimenta a seu modo – é como fortalecer e propagar essa escuta ativa que nasce das crianças, mas que ameaça desaparecer com elas, se as vestimos de adulto diante da máquina fotográfica, se nos apressamos em crescer e deixar a infância pra trás em definitivo, reduzindo assim a possibilidade de nos vincular significativamente com um mundo que já não somos mais capazes de escutar. O descarte prematuro da infância apequena a vida, segundo Benjamin, porque bloqueia canais de passagens entre os seres, de modo que passamos a escutar numa frequência mais estreita, alheia ao rumor do som ao redor […].”