n.85 | 2018 – A infância como autoficção, em Graciliano e seus contemporâneos

Leonardo Fróes

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Descrição

A infância de Graciliano Ramos e a de Nathalie Sarraute foram radicalmente diferentes: o escritor, tardiamente alfabetizado, cresceu no nordeste brasileiro, num ambiente cru e difícil, tendo tido acesso aos livros por intermédio de um tabelião que lhe emprestava romances; a escritora por volta dos dez anos vivia em Paris, era fluente em três línguas, e vivia rodeada de livros. Todavia, esta diferença não é determinante na prática da sensibilidade e da atração pela literatura – ambos começaram assim que puderam a escrever, e escapando aos modismos que os circundavam, criaram em seus livros territórios inconfundíveis, fatos novos de língua e de sentido. Neste texto de Leonardo Fróes, a partir de Graciliano Ramos, Nathalie Sarraute e de outros escritores contemporâneos a eles, as relações entre biografia e escrita são tratadas justamente naquilo que as tornam tão potentes: a indeterminação e a força do testemunho.

“É preciso talvez ser romancista, e dos bons, dos talentosos, como os que aqui enfeixo, para dar às lembranças disparatadas da infância a solidez e coesão de um livro. […] Pouco importa se ele exagerar quanto aos fatos, se tiver de inventar passagens para preencher lacunas ou se inserir elos recém-forjados que garantam a estabilidade do todo. Seu desafio, como escreveu o velho Graça, é reunir ‘pedaços de pessoas e de coisas, pedaços de mim mesmo que boiavam no passado confuso’, para com isso criar um mundo novo, seja ou não incongruente, que dê alento aos leitores. Memórias de infância, por certo, não são relatórios frios. Quem as escreve deve sentir emoções fortes ao tentar resgatar o personagem que talvez tenha sido. Nessa linha, ninguém faz história, e sim autoficção dos primórdios.”

Projeto gráfico
Luísa Rabello

Dezembro de 2018