Description
Este ensaio, apresentado por Ursula K. Le Guin em Maio de 1986, no Bryn Mawr College, na Pensilvânia (EUA), escava a diferença entre a língua paterna e a língua materna (e também a língua nativa), que são ditas em inglês ou em francês ou em português ou em qualquer outro idioma. Na língua paterna, a distância entre sujeito e objeto serve para expor e explorar o objeto, enquanto disfarça e defende o sujeito, numa lógica de dominação que se reproduz noutras dicotomias, entre elas, homem e mulher. É uma língua que fala alto, com muitos dialetos – o discurso de palanque, a palestra, a ciência, o homem da lei, da televisão, da arte enquanto “ato ejaculativo do ego”. Outra língua é também ouvida, ainda que fale mais baixo porque enquanto é dita está também à escuta – a língua materna, que conhecemos e aprendemos a esquecer, e que devemos reaprender. Uma língua que faz da diferença uma relação, e que pode estar na ciência, na política, na literatura ou em qualquer lado, rasurando a lógica vigente, e abrindo espaço para outra. “Ofereçam sua experiência como sua verdade” – disse Pauline Oliveros na língua materna, e abrindo espaço para a escuta, e para uma razão que excede o pensamento objetivo, e traça outra cartografia entre os corpos.
“A língua materna, falada ou escrita, espera uma resposta. É conversa, a palavra cuja raiz significa ‘virar junto’. A língua materna é a linguagem não como mera comunicação, mas como relação, relacionamento. Ela conecta. Ela tem dois sentidos, muitos sentidos, uma troca, uma rede. Seu poder não está em dividir, mas em ligar, não em distanciar, mas em unir. Ela é escrita, mas não por escribas e secretários para a posteridade: ela voa da boca no sopro que é a nossa vida e se vai, como a expiração; desaparece completamente, e ainda assim retorna, repetida, a respiração de novo, sempre, em todos os lugares, e todos nós a conhecemos de cor.”