Descrição
(Aparecem duas personagens. Têm vozes muito contrastadas,
ambas masculinas, mas uma grave e sombria, a outra leve, frágil, um pouco rouca)
– Julguei ouvir uma voz, por isso vim por este lado. Era a sua?
– Não sei. Pode ser que sim, porque me parece que falei sozinho. Mas há também um cão que ladrou. Talvez tenha sido a sua voz que ouviu.
– Como poderia eu ter confundido!
– Porque não? Os chamamentos dos cães, e os de outros animais, não são apenas barulhos. Cada um tem a sua voz, que podemos reconhecer.
– Quer dizer que é para eles uma maneira de falarem?
– De modo algum! Trata-se de uma coisa completamente diferente. A voz nada tem a ver com a fala. Não há, é certo, fala sem voz, mas há voz sem fala. Nos animais, mas também em nós. Há voz antes da fala. Assim, posto que o conheço, reconheço a sua voz antes de distinguir as palavras que pronuncia, quando vem na minha direcção.
– Claro, a voz é a face sonora da fala, enquanto o discurso, ou o sentido, forma a sua face espiritual.