n.35 | 2015 – A alegria é breve: uma conversa com Maria Filomena Molder

Maria Filomena Molder e Eduardo Jorge

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Descrição

Eduardo Jorge [EJ]: Alegria. O dique da alegria pode estar numa história que alguém nos conta ou numa história que contamos a nós próprios. A alegria, nesse sentido, ao mesmo tempo que precisa de uma explicação ou de uma história, é imprevisível. Como ela teria a força e a delicadeza para fazer parte de novos modos de vida?

Maria Filomena Molder [MFM]: Alegria é breve, roubando ao título de uma obra de Vergílio Ferreira, Alegria breve, sobre a qual escrevi um pequeno ensaio na minha juventude. O poeta David Mourão Ferreira que era nosso professor de Teoria da Literatura fê-lo publicar num jornal da tarde que já não existe: Diário de Lisboa. (onde estarão o manuscrito e o recorte do jornal?)
Alegria é breve, como se poderia viver uma alegria longa? Às vezes damos por nós a sentir a desfazer-se a perfeição de um momento, que despertou a embriaguez de todo o nosso corpo. Temos de fechar os olhos ou começar a correr para não ficarmos soterrados pelos seus despojos soltos. A alegria carece de explicação e tampouco (gosto desta maneira de escrever) seria previsível, como diz o Eduardo, mas retorna. Quer dizer, estando inteiramente fora da trama da causalidade, com o seu cortejo de induções e deduções, a alegria, se uma vez veio ter connosco, há-de vir ter connosco uma vez mais. Acho que ela faz parte de certos encontros a que às vezes chamamos hábitos (não nos lembramos de quando vimos, ouvimos, sentimos, pela primeira vez): o nascer do sol, o canto de um melro, a chuva a bater na vidraça, a fruta apanhada da árvore e que metemos na boca, a luz dourada do Outono, um homem que assobia na rua uma canção da infância, nuvens corredoras, o cheiro da maresia, coisas banais e únicas, que entretecidas entre si têm a força e/ou a delicadeza de realizar o novo nos nossos modos de vida. Aceitemos que a alegria seja uma das pedras-de-toque do eterno retorno. E então as alegrias inesperadas, não contam? Contam, sim, mas se não nos aniquilarem, continuam a ser emissários daquilo que sempre retorna, como “a brisa fresca da Aurora que nos bate no rosto” (palavras de Benjamin que se referem ao modo como se sente a novidade da obra de arte). Há ainda as alegrias esperadas que só nos são dadas uma vez, e pela primeira vez: o nascimento de um filho.

 

Informação adicional

Ano

2015