n.09 | 2012 – Parado no meio do ar: Dylan e a crise da forma-canção

Emílio Maciel

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Descrição

Estendendo-se por pouco menos que um minuto, mas dando a impressão de concentrar em si toda a tensão do universo, o intervalo que precede à execução de “Like a rolling Stone”, no Free Trade Hall de Manchester, é um dos momentos mais emblemáticos da carreira de Bob Dylan como compositor e performer, ao assinalar o paroxismo do acirramento de sua relação com a plateia. Tendo como ponto de ignição um grito de “Judas” de um transeunte, que é então respondido à altura por Dylan com duas frases que primeiro desqualificam e depois acusam diretamente o autor do grito, e em seguida culminam na raivosa injunção em surdina aos músicos do The Hawks [“play fuckin’ loud!”], o momento em que se passa finalmente de uma canção a outra – a partir de um golpe triunfal da banqueta anunciando a entrada em uníssono dos outros instrumentos – empresta ao concerto como um todo status de divisor de águas, ao marcar o definitivo adeus do cantor à sua condição de porta voz da juventude universitária bem-pensante. Abdicando ao conforto proporcionado por seu antigo público – que nos primeiros festivais de Newport, poucos anos antes, parecia sempre ávido a assentir de imediato a tudo o que ele cantasse, com uma docilidade que beirava não raro a fusão narcísica –, a sequência de micro-eventos quase ininteligíveis que o intervalo condensa se prolonga num continuum em que se torna difícil muitas vezes distinguir a vaia do urro de aprovação, a léguas de distância portanto da aura de catarse comunitária que dominava a fase folk.