n.39 | 2015 – Veleiro, navalha e cardume

Júlia de Carvalho Hansen

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Descrição

Este ensaio começa em um hospital nos anos 1950. Embora improvável, a minha memória lembra que os ladrilhos da parede eram vermelhos como o barro da terra roxa do interior do estado de São Paulo. No corredor silencioso se ouvem os passos de um rapaz magro que vai sendo examinado para determinarem sua normalidade. Este jovem é o meu pai. Quando agora escrevo, por vezes o vejo entrando na sala do médico com sapatos maiores do que os pés, e outras escuto como quem ouve por dentro do corpo as solas estalando. O que ele não se lembra é de ter ido a um armário onde estavam os cotonetes, gazes e mertiolates e, tendo aberto a porta de vidro, lá ter guardado uma mistura de coisas preciosas e inúteis que toda pessoa carrega consigo. Desde que nasci este armário liga nós dois, embora cada um só possa vê-lo por uma fresta sua e única, cada vez que alguém abre a sua porta lá de dentro se dão coisas diversas, embora semelhantes. Na porta do armário há uma tabuleta que o nomeia e na qual se lê: herança. Sei que muita coisa vive neste armário e sendo a escrita, em nossas vidas, o mais definitivo, me coloco a escrever sobre o que é a herança.

Informação adicional

Ano

2015